Repertórios de Saberes e Crenças Afroindígenas em Dalcídio Jurandir
DOI :
https://doi.org/10.23899/relacult.v5i5.1589Mots-clés :
Religião, Literatura, Cartografia, Decolonial, Afroindígena.Résumé
O complexo sistema religioso que constitui e orienta vivências, “sensibilidades de mundo (MIGNOLO, 2017)” e posicionamentos sociopolíticos de instituições, grupos e pessoas em territórios amazônicos revela fenômenos de crenças desafiadores para análises monolíticas e monoculturais. Desde o período colonial, os primeiros padres que se estabeleceram na região sentiram embaraços para enquadrar indígenas e depois africanos na ritualística do catolicismo português. Regidos pela incorporação seletiva (WILLIAMS, 1976; CERTEAU, 1998; MARTÍN-BARBERO, 2001; HALL, 2003), indígenas e africanos misturaram com maestria elementos de suas religiões com elementos da religião colonizadora. Nessas zonas de contato (PRATT, 2009), para além das formas de estranhamento e violência, emergiram traduções culturais em práticas de afetamento de lá e de cá, sociabilidades e complementaridades, gestando repertórios de religiões de matriz afroindígena em territórios da diferença colonial (MIGNOLO, 2013) que desestabilizaram padrões e normas da teologia cristã ocidental. Neste trabalho, mergulhamos em experiências religiosas interculturais comungadas por indígenas e africanos em zonas de contato na Amazônia sob o olhar da produção literária do romancista paraense e marajoara, Dalcídio Jurandir (19091979). Procuramos cartografar em romance deste literato, repertórios de saberes, fazeres e crenças afroindígenas para reconstituir complexas tramas do fenômeno religioso em nossa densa e extensa região. Para o alcance da proposta, embarcaremos na canoa dos Estudos Culturais, Pós-Coloniais e Decoloniais por intermédio da Cartografia para repertoriar essas práticas culturais nas interfaces de teorias e metodologias nômades que combatem convenções do pensamento moderno que separou ciência de religião, sagrado de profano, natureza de cultura, oral de escrito, entre outras abissalidades e formas de vida e de luta que não são puras, pois tradições são sempre reinventadas e etnicidades historicamente misturadas.
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